Mas não lembro de ter visto um filme sem plots que tenha dado tão certo quanto “Simplesmente feliz” (“Happy-Go-Lucky”, no original). O filme é centrado na professora primária Poppy, vivida brilhantemente por Sally Hawkins. Solteira, 30 anos, sem filhos, Poppy divide um apartamento com uma amiga, também professora, e encara a vida sempre com um sorriso estampado no rosto.
O fio condutor da história é a relação de Poppy e Scott (Eddie Marsan), seu instrutor de direção. A professora decide aprender a dirigir quando sua bicicleta é roubada. O contraste perfeito entre o positivismo de Poppy e o mau humor do instrutor rende ótimos momentos. O último encontro dos dois, aliás, é emocionante.
Outra ótima sequencia do filme, mas totalmente oposta, é a primeira aula de flamenco. As instruções da intensa e obsessiva professora espanhola nos faz grudar na tela, mas as expressões de Poppy seguindo à risca o que era pedido são impagáveis.
Se o excesso de otimismo da professora pode parecer artificial, em alguns momentos, o roteiro nos revela, sutilmente, conflitos enfrentados interna e externamente por Poppy que a tornam mais humana. Ao mesmo tempo que adota o bom humor como filosofia de vida, Poppy não foge dos problemas e enfrenta-os com coragem e determinação. A preocupação com um aluno de comportamento agressivo, a relação amorosa com um colega de trabalho, a complicada e com sua irmã e a paixão inesperada de que é alvo são exemplos disso. Grandes sacadas do roteiro de Mike Leigh na construção da personagem.
A trilha sonora alegre e as roupas coloridas e extravagantes também estão em perfeita sintonia com a personalidade de Poppy, que é capaz de sorrir e se divertir mesmo em pé em um ônibus lotado e depois de quase cair quando o motorista faz uma curva brusca.
Acostumado com tramas complexas e mais dramáticas, como em “Segredos e Mentiras” e “O Segredo de Vera Drake”, o diretor britânico acerta em cheio ao trabalhar com personalidades tão diferentes e complicadas em certos aspectos, de maneira tão leve e despretensiosa, e nos presenteia com um filme cativante, simpático e divertido, mas ao mesmo tempo, denso e inteligente.
O filme mostra que ver o lado bom das coisas pode ajudar a levar uma vida mais saudável e menos estressante. Se roubarem sua bicicleta, veja isso como um incentivo para tirar a carteira de motorista! Não é, porém, uma questão de se anular, deixar de se expressar, muito pelo contrário. Poppy nos mostra que temos que fazer o que temos vontade, seja pular em uma cama elástica, dançar flamenco ou ficar bêbado em uma balada com os amigos, e tentar não deixar ser reprimido pelos outros. A vida é simples como a felicidade, quem a complica somos nós.
* Syd Field é o mais popular professor de roteiro de Hollywood, autor do livro “Manual do roteiro”, uma espécie de bíblia para os roteiristas, mas também alvo de críticas devido a certos paradigmas que hoje são considerados ultrapassados e limitados.
FICHA TÉCNICA
Título: "Simplesmente feliz"
Título original: Happy-Go-Lucky
País: Reino Unido
Ano: 2008
Direção: Mike Leigh
Roteiro: Mike Leigh
Elenco principal: Sally Hawkins, Elliot Cowan, Alexis Zegerman, Andrea Riseborough, Sinead Matthews, Kate O'Flynn, Sarah Niles.
Duração: 118 min.
Gênero: Comédia
Sinopse: Poppy (Sally Hawkins) é uma mulher de 30 anos recém-completos que só sorri. Professora de crianças, tenta levar a vida numa boa, apesar de sem sempre ser compreendida. Isso é o que descobre quando resolve tirar a carta de motorista e encontra um instrutor (Eddie Marsan) que tem o oposto de seu positivismo.
Estréia: 27 de março de 2009