terça-feira, 3 de março de 2009

Nazismo sob uma nova ótica

O diretor britânico Stephen Daldry é uma das poucas unanimidades entre os membros da Academia. Pela direção de seu terceiro longa-metragem, Daldry conseguiu sua terceira indicação ao Oscar. A estatueta de melhor diretor foi para Danny Boyle, diretor de “Quem quer ser um milionário?”, mas, se a tendência permanecer, Daldry em breve também deve ser coroado.

O desafio em “O leitor” (“The reader”, no original), baseado no livro de Bernhard Schlink, era superar os ótimos trabalhos realizados em “Billy Elliot”, de 2000, e “As Horas”, de 2002. Porém, a direção segura não corrige alguns problemas no roteiro, que, para piorar, são corroborados pela edição. A história se passa na Alemanha pós-nazismo, quando o jovem Michael Berg conhece uma mulher mais velha, Hanna Schmitz, vivida por Kate Winslet, que durante os encontros amorosos, pedia para Michael ler algumas histórias.

O relacionamento entre os dois, que no início, parece imoral, aos poucos, vai se diluindo e descobrimos os motivos que o levam a mantê-lo. Michael, um adolescente contido, preso a uma estrutura familiar conservadora – repare que a família de Michael só aparece sentada a uma mesa de jantar formalmente estruturada, conservada até mesmo muitos anos depois – encontrou em Hanna uma maneira de se descobrir como homem, e fica encantado com as possibilidades do sexo. Tanto que ao ler para Hanna uma história erótica, exagera no tom e é imediatamente reprimido por ela, que se sente envergonhada. Hanna, por sua vez, condenada a uma existência medíocre, vivendo como funcionária de uma operadora de trens, encontra alguma realização ao conhecer um jovem talvez mais infeliz que ela mesma.

Até que os dois perdem o contato, e o garoto, incapaz de esquecer o passado, passa a conviver com o vazio deixado pelo fim do relacionamento, que perdura até se tornar um advogado amargurado e frustrado, interpretado pelo talentoso Ralph Fiennes. Na faculdade de Direito, Michael é levado pelo professor a um julgamento de guardas nazistas da SS. Ao descobrir que Hanna é a ré principal, o jovem ator David Kross nos faz sentir a impacto da revelação surpreendente. Com o desenrolar do processo, Michael descobre uma forma de inocentar Hanna, porém, teria que revelar um segredo que Hanna parecia querer manter.

Justamente ao tentar “esconder” o segredo de Hanna, o filme peca. Quando o segredo é revelado, a intenção soa redundante, já que desde o primeiro momento sabemos o que ela tenta esconder, justamente porque Daldry dirige tão bem seus atores que, sem querer, acaba revelando o que queria guardar para mais tarde. Por outro lado, não fica claro de que forma Michael poderia ajudar no julgamento de Hanna, ao revelar o tal “segredo”. Apenas um detalhe seria modificado no processo, mas não impediria a condenação de Hanna, que assume sem medo tudo que fez, pois estava convencida de que não tinha como ter sido diferente.

Mesmo assim, como em seus dois primeiros filmes, Stephen Daldry, que já dirigiu pesos pesados como Julie Walters, Julianne Moore, Nicole Kidman e Meryl Streep - em papéis que renderam indicações ao Oscar para as duas primeiras e uma vitória para Kidman pelo papel em “As Horas” - prova que sabe como trabalhar com personalidades fortes e complexas, herança de sua vasta experiência no teatro, para o qual já produziu mais de cem peças. Kate Winslet, que finalmente conquistou a sonhada estatueta depois de cinco indicações, demonstra um amadurecimento como atriz, mas não está em seu melhor papel. E precisa ter cuidado para não ficar marcada pela nudez nas telas, o que também acontece em “Titanic”, “Contos proibidos de Marquês de Sade”, “Íris” e “Pecados íntimos”.

O grande mérito do filme é não tratar o nazismo de maneira maniqueísta, mas tentar traduzir, pelas palavras de Hanna Schmitz, os motivos que levaram à omissão daqueles que trabalharam para a ditadura de Hitler. De certa maneira, o filme questiona o tratamento dado a réus como Hanna. Os julgamentos, na verdade, serviam apenas como uma tentativa de o país se redimir perante o mundo mostrando que está punindo os “responsáveis” pelo Holocausto. Acusada de deixar morrer um grupo de 300 judeus, Hanna já entra no tribunal condenada. Afinal, quem vai defender um guarda de campo de concentração nazista? Mas, apesar dessa nova abordagem, “O leitor” peca pelo excesso no tom melodramático de algumas cenas, que deixam o filme um nível abaixo de outros que também abordam o nazismo na Alemanha.

Uma curiosidade mórbida: “O leitor” foi a última produção de Anthony Minghella e Sydney Pollack. Ambos faleceram antes da estreia do longa.


FICHA TÉCNICA

Título: "O leitor”
Título original: The reader
País: EUA/Alemanha
Ano: 2008
Direção: Stephen Daldry
Roteiro: David Hare, baseado baseado no romance de Bernhard Schlink
Elenco principal: Kate Winslet, Ralph Fiennes, Bruno Ganz, Alexandra Maria Lara, David Kross.
Duração: 124 min.
Gênero: Drama
Sinopse: Michael (David Kross na juventude e Ralph Fiennes na idade adulta) relembra aquele que, provavelmente, foi o momento definitivo de sua vida - quando seu amor juvenil, uma mulher mais velha chamada Hanna Schmitz (Kate Winslet), foi presa e julgada pelos nazistas. O que o jovem verá no tribunal é algo que vai de encontro a tudo aquilo em que ele acredita.
Estréia: 06 de fevereiro de 2009.

Um comentário:

  1. Eu achei um filme meio raso e meio descuidado. O roteiro não explica por que Hanna, isolada e solitária, decide se envolver com um moleque. Ou por que a relação de Michael com a filha é ruim.

    Como o moleque David Kross se transforma no cinqüentão Ralph Fiennes em apenas dez anos??? A Kate Winslet velha ficou com cabelo branco e nenhuma ruga???

    Enfim, achei um filme muito ruim. O começo não é muito diferente de um longa brasileiro de 1970. Numa das inúmeras cenas de sexo, o segredo que ela tenta esconder o filme inteiro já fica óbvio pra todo mundo. Quando Michael descobre o segredo, dãããã, idiota, eu já sabia!

    O debate sobre ela já estar condenada antes mesmo do julgamento seria uma discussão interessante, mas o filme passa raspando por isso e, como você mesmo disse, se perde em dramalhão.

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